sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Chips brasileiros

Acabou essa história de achar que fazer computador é coisa de Primeiro Mundo e que o Brasil perdeu definitivamente o bonde da microeletrônica. Causou-me alívio constatar a extensão dessa mudança, depois de ler uma matéria do jornal Valor Econômico de ontem (19), reproduzida no Jornal da Ciência E-mail.

Fala sobre o Ceitec (Centro de Excelência em Tecnologia Avançada), uma empresa estatal recém-criada sediada em Porto Alegre. Que serve justamente para catapultar o desenvolvimento do nacional nessa área. Suas instalações serão inauguradas em julho. A primeira pastilha de circuito integrado ficará pronta em dezembro.

Faz um panorama interessante, a matéria. A empresa não poderá, porém, dominar todo o processo de produção de circuitos integrados. Ela fabricará os dispositivos, mas as fases finais, o encapsulamento e o teste, ainda terão que ser feitos no exterior. Sem problemas, a lagoa há de secar e certamente daqui a pouco faremos também encapsulamentos e testes.


Os que acreditavam e os que não acreditavam

No início desta década, pude testemunhar uma discussão na comunidade dos físicos sobre se o Brasil havia ou não "perdido o bonde" - era esta a expressão - da microeletrônica. Referiam-se ao atraso tecnológico do Brasil nessa área. Alguns físicos diziam que sim e que deveríamos investir em novas formas de tecnologia que estivessem aparecendo naquele momento, cujo bonde ainda estivesse passando. A nanotecnologia, por exemplo (claro que uma coisa não exclui a outra).

Mas outros físicos diziam que não, que era perfeitamente possível recuperar-se do atraso tecnológico. Os argumentos dos pessimistas, porém, soavam bem mais impressionantes, pelo menos para os de fora dessa área. Imagino que essa discussão se estendia para setores bem mais profundos da política tecnológica do país.

Os que acreditavam não ficaram só falando. A empresa só existe hoje porque havia tecnologia para que funcionasse, e há tecnologia para que funcione porque cientistas trabalharam nessa área antes. Isso foi feito em grande parte com pesquisa básica na área dos semicondutores (material de que são feitos os chips), que acontece há décadas. A pesquisa básica - aquela que não é feita com fins utilitários específicos - é condição sine qua non para o sucesso de qualquer empreendimento tecnológico e social nacional e está por detrás do sucesso dos invejados países desenvolvidos.

Hoje, pode-se contextualizar esse debate historicamente. O malogro da estratégia da reserva de mercado dos anos 80 ainda impressionava e a aceleração da abertura econômica do Brasil e do mundo, a partir dos anos 90, assustava: como poderíamos ter tempo para desenvolver nossa tecnologia no meio da competição ferrenha entre enormes multinacionais no setor?


Por que investir em microeletrônica

Parece-me que o caso é que a "microeletrônica" é uma área tão ampla que, mesmo que não possamos competir neste instante com microcomputadores pelo mundo, há nichos em que podemos nos defender bem. Talvez haja uma percepção geral que associa sempre chips com grandes computadores. Mas eles são usados em quase todo lugar - já viram aqueles curiosos adesivinhos quadrados presos na parte interna de capas de livros? -, e é isso que abre portas. É só ser criativo e prestar atenção nas necessidades específicas do país. Por exemplo, o texto do Valor diz que:

"o primeiro chip idealizado pelo Ceitec foi projetado para rastrear rebanho bovino. O chip está sendo implantado em 10 mil cabeças de gado no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso. O objetivo é identificar cada animal, desde o nascimento até o abate, permitindo o monitoramento das características genéticas, zootécnicas e sanitárias dos animais. A rastreabilidade eletrônica, se for bem-sucedida, preencherá uma lacuna na produção brasileira de carne, questionada nos países ricos devido à suposta falta de controle dos rebanhos."

E por que simplesmente não comprar chips de fora? Eis outro trecho interessante do texto: "Entre janeiro e outubro de 2008, [o setor] gerou déficit comercial de US$ 19,4 bilhões, face a US$ 12 bilhões no mesmo período do ano anterior." O dinheiro investido no Ceitec até agora é de pelo menos 270 milhões para a construção das instalações e 40 milhões prometidos por Lula no dia 19. Hoje, conhecimento é poder e dinheiro.

Venceram os argumentos menos (aparentemente) "óbvios". Agora, é administrar bem e orçar adequadamente. Aliás, isso me faz lembrar do criticadíssimo corte de 18% - 1,1 bilhão - da verba para o ministério de Ciência e Tecnologia, aprovado pelo Congresso no Orçamento de 2009.

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