
Astrofísico dos EUA expõe críticas fortes ao paradigma dominante sobre a origem do Universo, a teoria inflacionária
Na última edição da Scientific American Brasil há um interessante artigo do astrofísico Paul Steinhardt com críticas fortes à teoria atual sobre a origem do Universo como o conhecemos, chamada teoria inflacionária – que é um refinamento da velha teoria do Big-Bang. Segundo ele, é bem possível que ela precise de uma revisão forte ou mesmo ser substituída. Não significa que o Big-Bang jamais tenha acontecido – as evidência são bastante contundentes –, mas que podem ter que procurar outro “refinamento”. Neste texto, procuro expor as ideias de Steinhardt com outra linguagem.
Mudando a teoria do Big-Bang: a inflação
A teoria inflacionária, proposta por Alan Guth em 1980, foi formulada para solucionar com uma só tacada vários problemas com a teoria original do Big-Bang. Sim, a teoria original tinha problemas sérios. Apesar de suas previsões concordavam muito bem com as observações astronômicas, havia problemas teóricos de outra ordem. Por exemplo, a teoria produzia um Universo que explodiria ou implodiria imediatamente após o Big-Bang, a não ser que a densidade média de matéria do Universo fosse igual a um parâmetro chamado “densidade crítica” com a absurda precisão de uma parte em 1062. E não havia razão aparente nenhuma para serem iguais. É o chamado “problema do ajuste fino”.
Além disso, o cosmo deveria parecer totalmente não-uniforme, pois não haveria tempo para a luz atravessar distâncias grandes, de modo que partes diferentes do céu deveriam estar totalmente desconexas. No entanto, apesar de acúmulos locais de matéria como galáxias e grupos de galáxias, em larga escala o Universo parece bastante uniforme (o chamado “problema do horizonte”).
A teoria da inflação basicamente postula que houve um período de expansão muito rápida logo no início. Atenção: quando um cosmólogo diz “muito”, ele quer dizer “muito”. Pela teoria, o cosmo expandiu-se 1078 vezes em 10-32 segundos...! Bem, isso foi suficiente para resolver os problemas acima. Com a inflação, qualquer que fosse a configuração inicial do Universo, ele teria convergido para um cosmo uniforme em larga escala. A inflação seria causada por um campo de forças chamado campo de inflatons, que permearia todo o espaço.
As previsões quantitativas da teoria foram confirmadas espetacularmente por observações astronômicas a partir de 1992 e rapidamente ela atingiu o nível da ortodoxia, ocupou capítulos inteiros de livros-textos básicos e tornou-se o paradigma dominante na área. Sobreviveu a novas descobertas de impacto, como as da a matéria escura e da energia escura, entidades misteriosas que perfazem juntas 96% da massa do Universo (a matéria e a energia comuns, que formam estrelas e planetas, dão só 4%), e cujas existências foram inferidas indiretamente nos anos 1990. A teoria da inflação, sua corroboração observacional e as descobertas seguintes talvez possam ser descritas como uma "revolução" na cosmologia.
Devemos mudar também a inflação?
Porém, com o tempo, uma melhor compreensão da teoria inflacionária mostrou que ela pode estar numa situação semelhante à do Big-Bang original. Suas previsões concordam com as observações espetacularmente bem, melhor ainda que o modelo anterior. No entanto, padece de problemas teóricos “macro” preocupantes. É o que Steinhardt expõe no seu artigo.
Na verdade, ele tenta colocar lado a lado os prós e os contras da teoria. Os prós são que a inflação resolveu várias inconsistências do Big-Bang original de uma só vez e que suas previsões quantitativas são corroboradas muito bem pelas observações – o que é o tira-teima final de qualquer teoria física.
Passemos às críticas. Primeira. Lembremos que a inflação resolveu o problema da especificidade exagerada das condições iniciais do Universo. Pois eis que agora é o campo de forças que produz a inflação (o campo de inflatons) que parece sofrer do mesmo problema.
A teoria só descreve as características gerais desse campo, não seus detalhes. Estes devem ser escolhidos de modo a fazer com que as previsões teóricas se adequem às observações. Até aí, tudo bem – é nada mais que um dos feijões-com-arroz da ciência. O problema é que, para que estrelas e galáxias pudessem se formar, seria preciso que o campo de inflatons tivesse uma forma extremamente específica. Se um de seus parâmetros tivesse um valor diferente por uma parte em 1015, o universo seria totalmente diferente. Haveria hoje muito mais espaço vazio do que efetivamente vemos (“muito” no sentido dos cosmólogos...!) e as galáxias estariam muito mais concentradas. Repete-se o problema do ajuste fino. Não é como o colossal 1062 da teoria original, mas ainda é uma coincidência que demanda uma explicação.
Um segundo problema é que hoje se sabe que, depois que a inflação pára (o que ocorre em apenas 10-32 segundos), ela continua em diminutas e raras porções do espaço. Essas poucas regiões retardatárias, porém, expandem-se exponencialmente (com a rapidez dramática típica das coisas relacionadas com a inflação), de modo que em pouco tempo o cosmo seria formado de universos-ilha permeadas de imensas regiões de espaço vazio – e uma dessas ilhas seria o Universo em que vivemos. Acontece que a imensa maioria desses universos-ilha não teria condições de formar estrelas e galáxias, e teria características muito diferentes do nosso. Isso pode ser fatal para a principal razão da popularidade da teoria inflacionária, que é a concordância entre suas previsões quantitativas e as observações astronômicas. Afinal, a previsão teórica não é a que vemos ao nosso redor, mas a imensa pluralidade de mundos possíveis em outras “ilhas”.
Mudando a teoria do Big-Bang: a inflação
A teoria inflacionária, proposta por Alan Guth em 1980, foi formulada para solucionar com uma só tacada vários problemas com a teoria original do Big-Bang. Sim, a teoria original tinha problemas sérios. Apesar de suas previsões concordavam muito bem com as observações astronômicas, havia problemas teóricos de outra ordem. Por exemplo, a teoria produzia um Universo que explodiria ou implodiria imediatamente após o Big-Bang, a não ser que a densidade média de matéria do Universo fosse igual a um parâmetro chamado “densidade crítica” com a absurda precisão de uma parte em 1062. E não havia razão aparente nenhuma para serem iguais. É o chamado “problema do ajuste fino”.
Além disso, o cosmo deveria parecer totalmente não-uniforme, pois não haveria tempo para a luz atravessar distâncias grandes, de modo que partes diferentes do céu deveriam estar totalmente desconexas. No entanto, apesar de acúmulos locais de matéria como galáxias e grupos de galáxias, em larga escala o Universo parece bastante uniforme (o chamado “problema do horizonte”).
A teoria da inflação basicamente postula que houve um período de expansão muito rápida logo no início. Atenção: quando um cosmólogo diz “muito”, ele quer dizer “muito”. Pela teoria, o cosmo expandiu-se 1078 vezes em 10-32 segundos...! Bem, isso foi suficiente para resolver os problemas acima. Com a inflação, qualquer que fosse a configuração inicial do Universo, ele teria convergido para um cosmo uniforme em larga escala. A inflação seria causada por um campo de forças chamado campo de inflatons, que permearia todo o espaço.
As previsões quantitativas da teoria foram confirmadas espetacularmente por observações astronômicas a partir de 1992 e rapidamente ela atingiu o nível da ortodoxia, ocupou capítulos inteiros de livros-textos básicos e tornou-se o paradigma dominante na área. Sobreviveu a novas descobertas de impacto, como as da a matéria escura e da energia escura, entidades misteriosas que perfazem juntas 96% da massa do Universo (a matéria e a energia comuns, que formam estrelas e planetas, dão só 4%), e cujas existências foram inferidas indiretamente nos anos 1990. A teoria da inflação, sua corroboração observacional e as descobertas seguintes talvez possam ser descritas como uma "revolução" na cosmologia.
Devemos mudar também a inflação?
Porém, com o tempo, uma melhor compreensão da teoria inflacionária mostrou que ela pode estar numa situação semelhante à do Big-Bang original. Suas previsões concordam com as observações espetacularmente bem, melhor ainda que o modelo anterior. No entanto, padece de problemas teóricos “macro” preocupantes. É o que Steinhardt expõe no seu artigo.
Na verdade, ele tenta colocar lado a lado os prós e os contras da teoria. Os prós são que a inflação resolveu várias inconsistências do Big-Bang original de uma só vez e que suas previsões quantitativas são corroboradas muito bem pelas observações – o que é o tira-teima final de qualquer teoria física.
Passemos às críticas. Primeira. Lembremos que a inflação resolveu o problema da especificidade exagerada das condições iniciais do Universo. Pois eis que agora é o campo de forças que produz a inflação (o campo de inflatons) que parece sofrer do mesmo problema.
A teoria só descreve as características gerais desse campo, não seus detalhes. Estes devem ser escolhidos de modo a fazer com que as previsões teóricas se adequem às observações. Até aí, tudo bem – é nada mais que um dos feijões-com-arroz da ciência. O problema é que, para que estrelas e galáxias pudessem se formar, seria preciso que o campo de inflatons tivesse uma forma extremamente específica. Se um de seus parâmetros tivesse um valor diferente por uma parte em 1015, o universo seria totalmente diferente. Haveria hoje muito mais espaço vazio do que efetivamente vemos (“muito” no sentido dos cosmólogos...!) e as galáxias estariam muito mais concentradas. Repete-se o problema do ajuste fino. Não é como o colossal 1062 da teoria original, mas ainda é uma coincidência que demanda uma explicação.
Um segundo problema é que hoje se sabe que, depois que a inflação pára (o que ocorre em apenas 10-32 segundos), ela continua em diminutas e raras porções do espaço. Essas poucas regiões retardatárias, porém, expandem-se exponencialmente (com a rapidez dramática típica das coisas relacionadas com a inflação), de modo que em pouco tempo o cosmo seria formado de universos-ilha permeadas de imensas regiões de espaço vazio – e uma dessas ilhas seria o Universo em que vivemos. Acontece que a imensa maioria desses universos-ilha não teria condições de formar estrelas e galáxias, e teria características muito diferentes do nosso. Isso pode ser fatal para a principal razão da popularidade da teoria inflacionária, que é a concordância entre suas previsões quantitativas e as observações astronômicas. Afinal, a previsão teórica não é a que vemos ao nosso redor, mas a imensa pluralidade de mundos possíveis em outras “ilhas”.

As dúvidas permanecem
Bem, tudo isso parece catastrófico. Porém, o que eu expus acima é a visão de Steinhardt, que a expôs de forma simplificada, sem espaço para detalhes que poderiam matizar essa impressão. Na verdade, a maior parte dos astrofísicos continua defendendo a inflação e ela continua sendo exposta em livros-textos de cosmologia, ignorando totalmente as críticas acima. Segundo o próprio Steinhardt, poucos pesquisadores têm prestado atenção a esses problemas. Mas ele mesmo diz que outros cientistas avaliam que tudo isso é uma “dor de dente” que será resolvida mais cedo ou mais tarde sem abdicar da ideia fundamental da inflação – assim com as inconsistências da teoria original do Big-Bang foram resolvidas acrescentando-se a inflação, sem rejeitar a ideia central.
Porém, a saída pode não ser tão suave. Nos anos 1980, Roger Penrose mostrou, por considerações teromdinâmicas muito gerais, algo desconcertante sobre o campo de inflatons. A maioria esmagadora das configurações desse campo produziria, sim, um Universo tão uniforme quanto é hoje, mas sem o período de inflação muito rápida! Essa observação abre a possibilidade de que haja um campo de inflatons que produza o universo como o conhecemos sem precisar de inflação.
Nos últimos meses, quando eu comecei a pesquisar mais a fundo as cosmologias alternativas, vi várias críticas à inflação, mas não podia saber se eram especulações sem grandes consequências (elas existem em todas as áreas) ou se eu as deveria levar a sério. Quando a maior parte dos cientistas da área parece ignorar uma crítica, isso pode um bom motivo para nós “meros mortais” confiarmos neles e permanecermos céticos. No entanto, o artigo de Steinhardt mostra que essas “especulações” estão saindo do seu limbo em rincões acadêmicos profundos e começam a emergir para uma região visível pelo público em geral.
Um outro problema, que Steinhardt não aborda, é o da singularidade inicial. O modelo diz que houve um momento inicial em que a densidade de matéria e de energia seriam infinitas. Como não deveria haver infinitos na natureza, apareceram dezenas de teorias alternativas, esperando que as observações astronômicas fiquem suficientemente precisas para "escolher" alguma delas - ou nenhuma. Várias prevêem até uma era pré-Big-Bang.
Bem, tudo isso parece catastrófico. Porém, o que eu expus acima é a visão de Steinhardt, que a expôs de forma simplificada, sem espaço para detalhes que poderiam matizar essa impressão. Na verdade, a maior parte dos astrofísicos continua defendendo a inflação e ela continua sendo exposta em livros-textos de cosmologia, ignorando totalmente as críticas acima. Segundo o próprio Steinhardt, poucos pesquisadores têm prestado atenção a esses problemas. Mas ele mesmo diz que outros cientistas avaliam que tudo isso é uma “dor de dente” que será resolvida mais cedo ou mais tarde sem abdicar da ideia fundamental da inflação – assim com as inconsistências da teoria original do Big-Bang foram resolvidas acrescentando-se a inflação, sem rejeitar a ideia central.
Porém, a saída pode não ser tão suave. Nos anos 1980, Roger Penrose mostrou, por considerações teromdinâmicas muito gerais, algo desconcertante sobre o campo de inflatons. A maioria esmagadora das configurações desse campo produziria, sim, um Universo tão uniforme quanto é hoje, mas sem o período de inflação muito rápida! Essa observação abre a possibilidade de que haja um campo de inflatons que produza o universo como o conhecemos sem precisar de inflação.
Nos últimos meses, quando eu comecei a pesquisar mais a fundo as cosmologias alternativas, vi várias críticas à inflação, mas não podia saber se eram especulações sem grandes consequências (elas existem em todas as áreas) ou se eu as deveria levar a sério. Quando a maior parte dos cientistas da área parece ignorar uma crítica, isso pode um bom motivo para nós “meros mortais” confiarmos neles e permanecermos céticos. No entanto, o artigo de Steinhardt mostra que essas “especulações” estão saindo do seu limbo em rincões acadêmicos profundos e começam a emergir para uma região visível pelo público em geral.
Um outro problema, que Steinhardt não aborda, é o da singularidade inicial. O modelo diz que houve um momento inicial em que a densidade de matéria e de energia seriam infinitas. Como não deveria haver infinitos na natureza, apareceram dezenas de teorias alternativas, esperando que as observações astronômicas fiquem suficientemente precisas para "escolher" alguma delas - ou nenhuma. Várias prevêem até uma era pré-Big-Bang.
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