segunda-feira, 9 de maio de 2011

Críticas ao modelo atual da origem e evolução do Universo


Astrofísico dos EUA expõe críticas fortes ao paradigma dominante sobre a origem do Universo, a teoria inflacionária

Na última edição da Scientific American Brasil há um interessante artigo do astrofísico Paul Steinhardt com críticas fortes à teoria atual sobre a origem do Universo como o conhecemos, chamada teoria inflacionária – que é um refinamento da velha teoria do Big-Bang. Segundo ele, é bem possível que ela precise de uma revisão forte ou mesmo ser substituída. Não significa que o Big-Bang jamais tenha acontecido – as evidência são bastante contundentes –, mas que podem ter que procurar outro “refinamento”. Neste texto, procuro expor as ideias de Steinhardt com outra linguagem.


Mudando a teoria do Big-Bang: a inflação

A teoria inflacionária, proposta por Alan Guth em 1980, foi formulada para solucionar com uma só tacada vários problemas com a teoria original do Big-Bang. Sim, a teoria original tinha problemas sérios. Apesar de suas previsões concordavam muito bem com as observações astronômicas, havia problemas teóricos de outra ordem. Por exemplo, a teoria produzia um Universo que explodiria ou implodiria imediatamente após o Big-Bang, a não ser que a densidade média de matéria do Universo fosse igual a um parâmetro chamado “densidade crítica” com a absurda precisão de uma parte em 1062. E não havia razão aparente nenhuma para serem iguais. É o chamado “problema do ajuste fino”.

Além disso, o cosmo deveria parecer totalmente não-uniforme, pois não haveria tempo para a luz atravessar distâncias grandes, de modo que partes diferentes do céu deveriam estar totalmente desconexas. No entanto, apesar de acúmulos locais de matéria como galáxias e grupos de galáxias, em larga escala o Universo parece bastante uniforme (o chamado “problema do horizonte”).

A teoria da inflação basicamente postula que houve um período de expansão muito rápida logo no início. Atenção: quando um cosmólogo diz “muito”, ele quer dizer “muito”. Pela teoria, o cosmo expandiu-se 1078 vezes em 10-32 segundos...! Bem, isso foi suficiente para resolver os problemas acima. Com a inflação, qualquer que fosse a configuração inicial do Universo, ele teria convergido para um cosmo uniforme em larga escala. A inflação seria causada por um campo de forças chamado campo de inflatons, que permearia todo o espaço.

As previsões quantitativas da teoria foram confirmadas espetacularmente por observações astronômicas a partir de 1992 e rapidamente ela atingiu o nível da ortodoxia, ocupou capítulos inteiros de livros-textos básicos e tornou-se o paradigma dominante na área. Sobreviveu a novas descobertas de impacto, como as da a matéria escura e da energia escura, entidades misteriosas que perfazem juntas 96% da massa do Universo (a matéria e a energia comuns, que formam estrelas e planetas, dão só 4%), e cujas existências foram inferidas indiretamente nos anos 1990. A teoria da inflação, sua corroboração observacional e as descobertas seguintes talvez possam ser descritas como uma "revolução" na cosmologia.


Devemos mudar também a inflação?

Porém, com o tempo, uma melhor compreensão da teoria inflacionária mostrou que ela pode estar numa situação semelhante à do Big-Bang original. Suas previsões concordam com as observações espetacularmente bem, melhor ainda que o modelo anterior. No entanto, padece de problemas teóricos “macro” preocupantes. É o que Steinhardt expõe no seu artigo.

Na verdade, ele tenta colocar lado a lado os prós e os contras da teoria. Os prós são que a inflação resolveu várias inconsistências do Big-Bang original de uma só vez e que suas previsões quantitativas são corroboradas muito bem pelas observações – o que é o tira-teima final de qualquer teoria física.

Passemos às críticas. Primeira. Lembremos que a inflação resolveu o problema da especificidade exagerada das condições iniciais do Universo. Pois eis que agora é o campo de forças que produz a inflação (o campo de inflatons) que parece sofrer do mesmo problema.

A teoria só descreve as características gerais desse campo, não seus detalhes. Estes devem ser escolhidos de modo a fazer com que as previsões teóricas se adequem às observações. Até aí, tudo bem – é nada mais que um dos feijões-com-arroz da ciência. O problema é que, para que estrelas e galáxias pudessem se formar, seria preciso que o campo de inflatons tivesse uma forma extremamente específica. Se um de seus parâmetros tivesse um valor diferente por uma parte em 1015, o universo seria totalmente diferente. Haveria hoje muito mais espaço vazio do que efetivamente vemos (“muito” no sentido dos cosmólogos...!) e as galáxias estariam muito mais concentradas. Repete-se o problema do ajuste fino. Não é como o colossal 1062 da teoria original, mas ainda é uma coincidência que demanda uma explicação.

Um segundo problema é que hoje se sabe que, depois que a inflação pára (o que ocorre em apenas 10-32 segundos), ela continua em diminutas e raras porções do espaço. Essas poucas regiões retardatárias, porém, expandem-se exponencialmente (com a rapidez dramática típica das coisas relacionadas com a inflação), de modo que em pouco tempo o cosmo seria formado de universos-ilha permeadas de imensas regiões de espaço vazio – e uma dessas ilhas seria o Universo em que vivemos. Acontece que a imensa maioria desses universos-ilha não teria condições de formar estrelas e galáxias, e teria características muito diferentes do nosso. Isso pode ser fatal para a principal razão da popularidade da teoria inflacionária, que é a concordância entre suas previsões quantitativas e as observações astronômicas. Afinal, a previsão teórica não é a que vemos ao nosso redor, mas a imensa pluralidade de mundos possíveis em outras “ilhas”.

Representação do multiverso produzido pela inflação eterna. Nosso Universo seria apenas uma das bolhas mergulhadas no meio de um campo de forças chamado "falso vácuo" (representado em cinza) que se expandiria com velocidade exponencialmente crescente.


As dúvidas permanecem

Bem, tudo isso parece catastrófico. Porém, o que eu expus acima é a visão de Steinhardt, que a expôs de forma simplificada, sem espaço para detalhes que poderiam matizar essa impressão. Na verdade, a maior parte dos astrofísicos continua defendendo a inflação e ela continua sendo exposta em livros-textos de cosmologia, ignorando totalmente as críticas acima. Segundo o próprio Steinhardt, poucos pesquisadores têm prestado atenção a esses problemas. Mas ele mesmo diz que outros cientistas avaliam que tudo isso é uma “dor de dente” que será resolvida mais cedo ou mais tarde sem abdicar da ideia fundamental da inflação – assim com as inconsistências da teoria original do Big-Bang foram resolvidas acrescentando-se a inflação, sem rejeitar a ideia central.

Porém, a saída pode não ser tão suave. Nos anos 1980, Roger Penrose mostrou, por considerações teromdinâmicas muito gerais, algo desconcertante sobre o campo de inflatons. A maioria esmagadora das configurações desse campo produziria, sim, um Universo tão uniforme quanto é hoje, mas sem o período de inflação muito rápida! Essa observação abre a possibilidade de que haja um campo de inflatons que produza o universo como o conhecemos sem precisar de inflação.

Nos últimos meses, quando eu comecei a pesquisar mais a fundo as cosmologias alternativas, vi várias críticas à inflação, mas não podia saber se eram especulações sem grandes consequências (elas existem em todas as áreas) ou se eu as deveria levar a sério. Quando a maior parte dos cientistas da área parece ignorar uma crítica, isso pode um bom motivo para nós “meros mortais” confiarmos neles e permanecermos céticos. No entanto, o artigo de Steinhardt mostra que essas “especulações” estão saindo do seu limbo em rincões acadêmicos profundos e começam a emergir para uma região visível pelo público em geral.

Um outro problema, que Steinhardt não aborda, é o da singularidade inicial. O modelo diz que houve um momento inicial em que a densidade de matéria e de energia seriam infinitas. Como não deveria haver infinitos na natureza, apareceram dezenas de teorias alternativas, esperando que as observações astronômicas fiquem suficientemente precisas para "escolher" alguma delas - ou nenhuma. Várias prevêem até uma era pré-Big-Bang.

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