domingo, 22 de março de 2009

A volta da energia nuclear


É impressionante como algumas coisas mudam rápido. Quem se lembra da oposição ferrenha de boa parte das pessoas às usinas nucleares de até alguns anos atrás? Em 2000, o governo alemão chegou a aprovar uma lei que exige o desmonte de todas as instalações nucleares do país até 2020. Pois bem, agora, em nome do combate ao aquecimento global ou por medo dos preços do petróleo ou de “apagões” energéticos, parece que elas estão sendo reabilitadas pelo mundo todo.

O número de pessoas na União Européia que apóiam o uso da energia nuclear subiu de 37% em 2005 para 44% em 2008 e os opositores caíram de 55% para 45%, segundo uma matéria da revista britânica The Economist de 19 de maio. Em fevereiro, a Itália e a Suécia anunciaram que voltarão a construir usinas nucleares (a Suécia parara um ano depois do acidente de Three Miles Island, nos EUA, em 1979, e a Itália um ano depois do de Tchernobyl, na Ucrânia, em 1986). Na Alemanha, a primeira-ministra Angela Merkel é favorável ao fim da lei de seu país contra as usinas – mas o outro partido da coalizão de seu governo apóia a lei, então nada deve mudar por lá ainda.

O que aconteceu?


O que os olhos não vêem...

No nível da opinião pública, há um dado interessante pode lançar uma luz sobre esse processo: apesar de o apoio às usinas nucleares ter aumentado, os números mudam bastante quando a pergunta inclui “lembretes” sobre os riscos das usinas. Segundo a mesma matéria da Economist, em 2007, uma pesquisa com questões que informavam tanto os riscos quanto os benefícios ambientais resultou em 61% contrários à energia nuclear.

Isso indica que os motivos pelos quais muitas pessoas eram contra as usinas nucleares há 30 anos simplesmente não estão mais na superfície de suas memórias. Mas têm efeitos grandes quando são lembrados.

O que fez as pessoas esquecerem? Certamente, contribuiu o longo tempo sem acidentes nucleares graves desde o de Tchernobyl, na atual Ucrânia, em 1986. A juventude agora é de uma geração que não viu esses acidentes, e isso faz muita diferença. O fim da possibilidade de guerra nuclear entre EUA e União Soviética também desmobilizou o ativismo anti-nuclear e diminuiu as tendências de vincular usinas e bombas nucleares (em tempo: o combustível das duas é diferente, apesar de ambos terem origem no urânio da natureza, como explicado nesta matéria). Novamente, a geração atual não conheceu o terror da ameaça do apocalipse imediato – bem diferente do apocalipse gradual das mudanças climáticas.

Na figura acima, uma cena do passado: protesto anti-nuclear em Harrisburg, nos EUA, em 1979, após o acidente de Three Miles Island. Oposição à energia nuclear ainda existe hoje, mas não com o barulho que havia naquela época.

O ativismo ecológico deslocou-se para as mudanças climáticas (aliás, eis que usinas nucleares não emitem carbono para a atmosfera durante sua operação – essa emissão é a principal causa das previsões de alterações no clima). Aliás, pouca gente parece se dar conta de que o fim da ameaça de guerra nuclear é ilusório, pois cada vez mais países têm suas bombas, – o que faz as possibilidades de alguém fazer alguma loucura aumentarem, simplesmente porque o número de “alguéns” aumenta.


A energia move o mundo – e as usinas

Já no nível dos governos, o que realmente conta parece ser energia. O preço do petróleo subiu nos últimos anos e explodiu no ano passado, chegando a mais de 147 dólares o barril em julho (o maior preço da história). É bem verdade que depois caiu tão inexplicavelmente quanto explodiu e agora está a menos de 40 dólares o barril. Mas a alta parece ter sido suficiente para reiniciar o embalo de muitos governos em direção à energia nuclear.

A importância do fator energia fica evidente se olharmos o Brasil. Não conseguimos construir usinas hidrelétricas tão rápido quanto cresce nossa demanda por energia. Esta é a origem do apagão de 2001. Para evitar a repetição do vexame, o governo aposta em termelétricas a gás e em usinas nucleares. Mas o gás de nossas termelétricas, na maior parte importado da Bolívia, pode estar em perigo por causa do potencial de crise política daquele país.

“Sobram” as nucleares. Entre aspas, pois há também as fontes eólica, solar, de bioetanol e outras renováveis. No último dia 9, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) emitiu uma licença para o início das obras para a usina de Angra 3, no litoral do Estado do Rio (fases posteriores da construção necessitarão de mais licenças). Estão sendo planejadas usinas para mais quatro locais no território nacional. Os governos de Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas manifestaram bastante interesse em que sejam construídas nos seus Estados. Cada uma produziria 1.000 megawatts (MW) e Angra 3, 1.350 MW. Angra 1 tem 650 MW e Angra 2, também 1.350 (a figura no início deste texto é Angra 1).

Enquanto isso, em fevereiro, o Brasil começou a enriquecer urânio, no laboratório em Rezende, no Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de um processo para tornar o urânio encontrado na natureza próprio para ser usado em usinas. Note-se que o Brasil é apenas o nono país do mundo a conseguir enriquecer o urânio.


Urânio é menos “explosivo” que petróleo

Voltando a falar do resto do mundo, pode haver também fatores geopolíticos em jogo. O petróleo é notoriamente explosivo. Quantas guerras já não foram feitas por sua causa? Diz-se que o ouro negro existe em regiões instáveis, como o Oriente Médio, mas parece-me que o mais importante não é que essas regiões sejam instáveis, mas sim que seus países foram vítimas de colonização até muito recentemente e ainda são objeto de disputa e palco de ocupações militares. O Oriente Médio permanece instável em boa parte porque as potências insistem em intervir nos seu destino o tempo todo há quase um século.

Compare-se com o caso do urânio: os maiores depósitos estão na Austrália, que tem um quarto do urânio do mundo todo. Já o Canadá é responsável por um quarto da produção mundial de urânio, em toneladas. É difícil imaginar que esses dois países se tornem vítimas fáceis de interesses estrangeiros. Trata-se de nações do Primeiro Mundo. A influência estrangeira no Oriente Médio foi uma continuação dos protetorados ocidentais por outros meios; no caso australiano e canadense, o período colonial foi rompido há bastante tempo e não se pode mais restabelecer essa continuidade.

É bem verdade que há casos mais complicados: grande parte do urânio da França, onde 75% da eletricidade é de origem nuclear, vem do Níger (e quase todo o urânio do Níger vai para a França), um país que, quando o preço do minério caiu, nos anos 1980, foi vítima de rebeliões internas da minoria tuaregue. E que está numa região não exatamente pacífica: faz divisa com a Argélia, vítima de uma sangrenta guerra civil nos anos 1990; com a Líbia, pária internacional até recentemente; com o Chade, vítima periódica de guerras civis e tentativas de golpe e envolvido indiretamente na pavorosa guerra de Darfur, no Sudão; com a Nigéria, onde insurreições foram responsáveis por parte da alta do petróleo por explodirem oleodutos.

O Níger em destaque no norte da África


Gás europeu: situação ficando russa

Outro problema geopolítico: a Europa é muito dependente do gás fornecido pela Rússia e quer livrar-se dessa situação. O motivo é que ela tem se revelado cada vez mais problemática. Desde 2007, a Rússia vem pressionando seus vizinhos Belarus e Ucrânia a aceitarem o fim do preço baixo para a importação do gás russo, que herdaram do tempo em que faziam parte da União Soviética. Todo início de ano, no auge do inverno europeu (precisam de muito gás para seus aquecedores), a crise se agudiza e o gás é cortado. Os dois países não têm opção a não ser desviar para si o gás que deveria continuar seguindo, através do seu território, para outros países.

No início deste ano, o corte durou quase 20 dias. Houve protestos da população nas ruas de alguns países, principalmente na Bulgária, que não tinha como conseguir gás por outras vias e nem reservas suficientes e sofreu com escassez e frio.

Tentativas de construir novas rotas para gasodutos e oleodutos através da Geórgia, pequeno país ao sul da Rússia, levaram a uma disputa entre Moscou e o Ocidente pela influência naquele local que culminou no ano passado em uma guerra entre russos e georgianos.

Essa situação pode dar aos europeus mais impulsos para avançarem na energia nuclear e diminuir as complicações do gás russo. Os mapas abaixo dão uma idéia do grau de penetração na Europa dos oleodutos russos de gás e de petróleo.

Gasodutos existentes e planejados (em tracejado) na Europa central e oriental


Oleodutos existentes e planejados na Europa central e oriental. A Geórgia é o país em verde oliva. Clique na figura para vê-la maior.

Pondo as coisas dessa forma, parece difícil para ativistas desmobilizados deterem o novo avanço da energia nuclear. De qualquer forma, a solução para os problemas energéticos no mundo não está na fonte nuclear, nem na hidrelétrica, nem em qualquer outra isoladamente: está (1) na diversificação das fontes e (2) na solução do insolucionável: como manter indefinidamente o crescimento econômico se os recursos são finitos?

5 comentários:

  1. Oi Belisário, muito bom seu artigo. Porém, não concordo que os recursos sejam finitos, pois na natureza tudo se transforma, ou pode ser transformado pela criatividade humana que não tem limite. Sds, Regina

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  2. Obrigado, Regina. É verdade, as coisas se transformam e a criatividade humana vai muito além do que ela mesma consegue imaginar. Mas a razão pela qual eu acho que os recursos são finitos é que a superfície da Terra é finita e a velocidade com que os recursos renováveis se renovam, também. Além disso, a coisa tem que ter viabilidade econômica - o que provavelmente nos impedirá de usar outros mundos por um bom tempo. Talvez possamos dar um jeito por ora de nos safarmos, mas, se o crescimento econômico continuar indefinidamente, um dia vamos ter problemas de novo. Meus prognósticos para o futuro, quanto a isso, não são otimistas. Na verdade, tudo tende ao equilíbrio - nosso interesse é que esse equlíbrio nos seja favorável e que ele seja alcançado por mecanismos que nos sejam favoráveis. Se as coisas continuarem como estão, o equilíbrio será alcançado por mecanismos extremamente desfavoráveis - guerras, aniquilação parcial e coisas assim. Mas espero que isso ainda esteja longe o suficiente para que os padrões de desenvolvimento mudem totalmente e então possamos evitar tal coisa.

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  3. Olá Roberto estou visitando e quero registrar minha satisfação ao passar aqui. Fica minha gratidão por sua amizade e atenção. Tudo isto nos fortalece e aproxima. Saiba que gostei muito deste trabalho. Realizado com muita Inteligência e excelente qualidade, parabéns pelo post, grandiossimo artigo, muito bom mesmo, gostei, meu reconhecimento e votos de muito sucesso e brilho. Honrado por sua amizade, espero por sua visita.
    Quero compartilhar com você o poema abaixo do nosso imortal Vinícius de Moraes:
    “Certas palavras podem dizer muitas coisas;
    Certos olhares podem valer mais do que mil palavras;
    Certos momentos nos fazem esquecer que existe um mundo lá fora;
    Certos gestos, parecem sinais guiando-nos pelo caminho;
    Certos toques parecem estremecer todo nosso coração;
    Certos detalhes nos dão certeza de que existem pessoas especiais,
    Assim como você que deixarão belas lembranças para todo o sempre. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.”
    Desejo um fim de semana repleto de alegrias extensivo aos familiares. Forte abraço, paz, luz, saúde, prosperidade e muitas bênçãos. Fique com Deus. Felicidades.
    Valdemir Reis

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  4. Parabéns pelo post, muito informativo e oportuno. Sinceramente espero que as pessoas não fiquem esperando por um acidente mais sério do que os de Three Miles Island ou Chernobyl para que então, já talvez tardiamente, voltem a protestar. Na verdade ficamos desejando neuroticamente todos os dias que este acidente jamais aconteça, e não temos o direito de deixar esta herança de medo às gerações futuras.
    Não deveria ser uma atitude racional, do ponto de vista de preservarmos um futuro saudável para a Humanidade,
    optarmos por uma escolha que representa, como sabemos, uma bomba relógio para o planeta, usando a simples justificativa de que com isso estamos evitando o agravamento do efeito estufa, que como você bem informou, é a “bola da vez” até nas discussões de rodinhas populares sobre meio ambiente. Abraços.

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  5. Olá,

    Tenho uma surpresa para você no meu novo blog:
    http//lumynart.blogspot.com/.

    Passe por lá para o ir buscar.

    Abraços,
    LUmeNA

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