Como os cientistas estão reagindo a isso?
Com a palavra, os entendidos
No sábado, o blog do arXiv
No caso geral, a maioria continua cética, mesmo que os cientistas do OPERA tenham sobrevivido a um interrogatório de especialistas no CERN (o mesmo centro de pesquisas que é responsável pelo acelerador LHC, em Genebra, Suíça). A razão é que o resultado parece contradizer frontalmente a teoria da relatividade especial. Não se trata apenas de conservadorismo acadêmico: esta teoria vem sendo confirmada espetacularmente em quase um século de testes.
Repare-se, aliás, que os próprios pesquisadores do OPERA foram os primeiros a dizer, no seu próprio artigo, que os resultados precisam ser confirmados por pesquisas independentes antes de se chegar a qualquer conclusão definitiva. É natural que os cientistas sejam cautelosos ao anunciar tal coisa. Um alarde exagerado seguido de uma refutação pode ser extremamente humilhante e tirar sua credibilidade junto aos colegas.
Mas os artigos selecionados pelo blog do ArXiv são muito variados, desde os que refutam frontalmente os resultados até os que já ensaiam os primeiros passos para reescrever a relatividade.
Como lembrou o cientista grego Alex Kehagias, da Universidade de Atenas, as explicações para os resultados do OPERA se encaixam em três tipos possíveis:
a) A anomalia é devida a algum erro dos autores;
b) A anomalia é real e indica uma violação da teoria da relatividade especial;
c) A anomalia é real, os neutrinos viajam mais rapidamente que a luz, mas a teoria da relatividade não é violada (sim, isso é possível, como veremos abaixo).
Além da relatividade - Apenas um dos nove artigos ousou encarar o desafio de construir uma teoria alternativa à relatividade especial. Foi de uma equipe de três cientistas do CERN e do King's College de Londres. Eles não fizeram uma teoria completa, nem perto disso, mas indicaram um método para fazê-lo e produziram com ele duas "teorias de brinquedo" ("toy theories"), isto é, modelos simplificados apenas para deixar claros os conceitos envolvidos e as técnicas matemáticas utilizadas. Também, mostraram como os cientistas poderiam verificar no laboratório se alguma teoria feita com esse método poderia estar correta.
Os descrentes
"Refutamos" - Entre os que simplesmente não acreditam nos novos dados, está ningúem menos que o prêmio Nobel de Física de 1979, Sheldon L. Glashow, da Universidade de Boston, nos EUA. "Refutamos a interpretação superluminal dos resultados do OPERA", dizem explicitamente no resumo do artigo
Claro que eles apresentam razões para sua descrença. Após alguns cálculos, concluíram que neutrinos naquela velocidade perderiam energia rapidamente - sua energia seria convertida em matéria no caminho, produzindo uma quantidade de elétrons e pósitrons (o pósitron é uma partícula idêntica ao elétron, só que com carga elétrica positiva). Pelas suas contas, os neutrinos não poderiam de jeito nenhum ter chegado com tanta velocidade no detector do OPERA, situado a 730 km da fonte que os produziu, no CERN, em Genebra.
Cuidado com o tempo - Outros apontam possibilidades de erros de interpretação por parte dos cientistas do OPERA. Aí há argumentos de toda espécie: Susan Gardner
A estatística prega peças - No outro extremo está Robert Alicki, da Universidade de Gdánsk, na Polônia, que acha que as coisas são muito simples: tudo seria devido a um mero erro de interpretação estatística. A razão é que o dados colhidos pelo OPERA são em número gigantesco e devem ser analisados estatisticamente, o que é uma tarefa difícil e cheia de armadilhas conceituais - terreno fértil para especulações sobre algum erro sistemático cometido em Gran Sasso. Mas o paper de Alicki
Os conciliadores: relatividade com velocidade superluminal
Ao contrário do que normalmente se diz, velocidades maiores que a da luz não são necessariamente incompatíveis com a relatividade especial.
Os táquions - Em primeiro lugar, o que a relatividade especial proíbe é que se ultrapasse a velocidade da luz, e só isso. Ela é perfeitamente consistente com a hipótese de partículas viajando sempre mais rápido que a luz. Tais entidades são chamadas táquions. O problema é o preço conceitual disso: os táquions se acelerariam quando perdem energia, tendendo sempre a velocidades cada vez maiores, e também viajariam para trás no tempo...! Mais informações sobre táquions neste artigo da Ciência Hoje (em PDF).
Mas parece que os neutrinos não são táquions. Dois artigos da lista do blog do arXiv concluem que essa possibilidade não é compatível com o comportamento observado em neutrinos em outras situações, especificamente os vindos de supernovas. Um dos trabalhos foi assinado por quatro cientistas italianos e dinamarqueses
Outras dimensões - Há outra possibilidade: considerar dimensões espaciais extras além das três conhecidas. Apesar de soar bizarro, é uma estratégia bastante popular em teorias alternativas da física de partículas, como na teoria das cordas. Para entender o argumento, é útil uma analogia com a segunda dimensão. Imagine uma joaninha caminhando sobre um papel. Agora curve o papel, de forma a aproximar suas bordas.
A limitação dessa analogia é que nela a joaninha pareceria passar instantaneamente de um lado a outro, e não numa velocidade muito grande. No entanto, há várias teorias na física que tentam compatibilizar velocidades maiores que a da luz com configurações de espaços com quatro ou mais dimensões. São, obviamente, ainda especulativas. Um dos artigos
Força desconhecida - Uma terceira possibilidade, uma ideia do grego Alex Kehagias
Conclusão de tudo isso? Por enquanto, ainda é cedo para tanto. Provavelmente teremos que esperar para ver se outros grupos conseguem reproduzir os resultados do pessoal do OPERA. Isso pode levar alguns anos - só o experimento inteiro do OPERA já durou três.
Para saber mais:
Vídeo da palestra do pessoal do OPERA no CERN, explicando seus resultados (em inglês)
"Táquions - Mais velozes que a luz?" (Erasmo Recami e Michel Z. Rached) - Ciência Hoje 170 (2001). Disponível aqui
Este post
Artigo científico original da Cooperação OPERA.
Neste outro artigo científico
De certo modo,através de experimentos de pensamento abordo, a possibilidade dessas partículas, mais velozes que a velocidade da luz, mas de uma forma diferente, que pode confirmar os dados "observados" e ao mesmo tempo, não desconsiderar a relatividade, caso haja curiosidade entre no blog: http://pensamentossobreotempo.spaceblog.com.br/
ResponderExcluircomo fiz esse blog para público geral, não desenvolvo a parte de cálculo e mais aprofundado...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAcerca de um artigo jornalístico no site do Estado de São Paulo que lançava a idéia de que a relatividade especial fora violada por essa história dos neutrinos superluminais, ontem mesmo eu fiz um comentário citando os táquions e que a existência de partículas movendo-se a essas velocidades não violam a teoria. Mas o assunto é de grande interesse, e o jeito é esperar para ver o que vem por aí.
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