sábado, 14 de março de 2009

Reino Unido e Brasil: parceria para inovação anti-emissão de carbono


Na última segunda e terça (9 e 10 de março), tive a oportunidade de testemunhar como é por dentro o início de um processo de transformação de pesquisa científica em produto tecnológico novo disponível no mercado.

(Obs.: este texto não pretende fazer um parnorama do evento como um todo, mas comentar impressões minhas sobre alguns assuntos específicos lá abordados, principalmente sobre estratégias de promoção da inovação tecnológica. Veja aqui a programação completa do seminário.)

Uma delegação de sete representantes britânicos de agências e empresas ligadas à inovação participou de um seminário na Unicamp (“The how of innovation through low carbon example”) para fazer contatos com pesquisadores brasileiros para transformar descobertas científicas feitas aqui em produtos comercializáveis que promovam a diminuição das emissões de carbono na atmosfera. Essas emissões são vistas como a maior responsável pelas mudanças climáticas previstas para as próximas décadas.

O evento foi promovido pela Unicamp, pela organização governamental britânica UK Trade & Investment e pela representação do Reino Unido no Brasil. A delegação foi liderada por um representante britânico especializado em fazer o meio-de-campo entre cientistas e empresários, Nick Stuart, da UK Trade & Investment.

A idéia era promover a aproximação entre o setor acadêmico e o setor empresarial, para que pesquisas com potencial de se converter em inovação tecnológica comercializável pudessem encontrar seu caminho para concretizá-lo. Nos intervalos das palestras, os presentes da platéia conversavam com os palestrantes para estabelecer contatos. Nick Sutart disse esperar que, como resultado do seminário e dos contatos ali feitos, daqui a seis meses já apareça no Reino Unido uma equipe brasileira de inovação.

Houve palestras de britânicos e de brasileiros. Várias descreviam estudos sobre tecnologias capazes de diminuir as emissões de carbono na atmosfera, desenvolvidos em empresas e instituições de pesquisa dos dois países. Outras apresentavam os seus sistemas de inovação, transferência de tecnologia e financiamento, ou seja, as estratégias de se transformar ciência em tecnologia nova disponível no mercado.


Estratégias de inovação

Sobre esse último tópico, tanto aqui como lá existem órgãos especializados em ajudar a adaptar as tecnologias para as características do mercado e em mediar o contato entre academia e empresa. Isso é necessário pois, por um lado, em geral os cientistas não têm perfil de negócio e, por outro, o empresariado não costuma ter perfil técnico-científico. Além disso, as pesquisas científicas encontram-se, em geral, em um estágio muito precoce para um estudo tradicional de potencialidades de mercado. As variáveis normalmente consideradas para avaliação de potencialidades de negócio ainda não estão presentes nelas.

No caso do Brasil, a Lei da Inovação, de 2004 exige que todas as instituições científicas e tecnológicas tenham núcleos de inovação tecnológica com essa função. Há também programas como o Programa de Investigação Tecnológica de São Paulo e agências de inovação como a da Unicamp.

Um exemplo de como se dão as primeiras etapas da passagem de um produto da academia até o mercado aparece em um artigo de Bruno Moreira e Roberto Lotufo sobre a metodologia do Programa de Investigação Tecnológica de São Paulo, publicado na página 28 da edição de julho de 2008 revista Conecta, ligada à agência Inova Unicamp. As fases descritas no texto são:

  1. Caracterização das tecnologias e de suas aplicações;
  2. Prova de conceito: avaliação da capacidade da tecnologia de aderir ao mercado – a tecnologia parece pronta quando produz o registro de uma patente, mas há um caminho a percorrer até que ela esteja pronta para a inserção no mercado;
  3. Análise de mercado: identificar qual o mercado mais propício para aquela tecnologia, o modelo ideal para a sua exploração, potenciais parceiros;
  4. Análise da viabilidade econômica: análises mais detalhadas sobre o potencial mercadológico da tecnologia, como estimativa do tamanho do mercado, estabelecimento de preços, projeção de receitas, levantamento de custos e outras.

O resultado, ao final dessas etapas, é que a nova tecnologia deve estar adequada para ser apresentada, negociada e desenvolvida dentro da empresa ou com potenciais parceiros.

Além dos contatos, outro objetivo do seminário foi o Brasil aproveitar a experiência dos britânicos sobre estratégias de promoção da inovação. Roberto Lotufo, diretor executivo da agência Inova Unicamp, no seu seminário, disse que o envio de alguns colaboradores brasileiros ao Reino Unido nos últimos anos já trouxe aprendizados importantes para o país - como a necessidade de as equipes de inovação acompanharem o processo de inserção da tecnologia no mercado não só até os estágios finais dos passos acima, mas até a assinatura do contrato com a empresa e principalmente depois, já que é comum surgirem muitas dificuldades quando a tecnologia começa de fato a ser desenvolvida e virar uma inovação.


Outros temas – e o lado social

Nas palestras dos brasileiros, a maior parte falou de pesquisas sobre bioetanol. Dois dos palestrantes eram do Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em Campinas, que faz pesquisa básica, desenvolvimento de inovações e estudos sobre o impacto do bioetanol na sustentabilidade do desenvolvimento. Um dos temas principais eram os estudos para alcançar a viabilidade econômica do bioetanol de segunda geração, ou seja, feito não só do açúcar da cana, mas do seu bagaço e da palha – além do seu aproveitamento para cogeração da energia usada pela usina.

Outros assuntos interessantes foram a energia eólica (o Reino Unido tem quase 75% de sua energia elétrica de origem eólica – e o Brasil terá seu primeiro leilão específico para contratação de energia do vento amanhã, dia 15), células combustíveis e biorrefinarias com microalgas (as duas últimas, pesquisas feitas no Brasil).

A dimensão social foi abordada apenas de forma pontual, em momentos específicos do seminário. Bastiaan Reydon, da Unicamp, comentou, no início de sua palestra, o lado social de um dos principais problemas brasileiros ligados às mudanças climáticas, que é o desmatamento amazônico – ou seja, o seu impacto nas comunidades tradicionais indígenas e não-indígenas da Amazônia e nos problemas fundiários (sem-terras). Isso me pareceu muito importante, apesar de não ser o seu tema central, pois essas comunidades são freqüentemente esquecidas, como se a floresta, fora os fazendeiros e criadores de gado, fosse mato desocupado.

Há que se notar, porém, como me lembrou um dos palestrantes em um intervalo, que o desmatamento tem uma dimensão bem mais ampla, incluindo demandas crescentes de outros países, como a de soja pela China (hoje, a soja é um dos principais fatores do desmatamento amazônico e da estruturação de parte de suas vias de comunicação voltada para corredores de exportação).

Em outro momento, ao responder uma pergunta da platéia sobre esse assunto, Felix Eliecer Fonseca Felfli, pesquisador da Bioware, lembrou a condição social do pessoal que trabalha com carvão, que, segundo ele, é “incomparável” com as tecnologias propostas pela sua empresa.


Assuntos relacionados neste blog:

Quem não inova, se trumbica – sobre a importância da inovação tecnológica para o comércio internacional

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